Novo parecer sobre marcação da AG
Por sporting
31 Jan, 2013
31 Jan, 2013
Parecer do Dr. Ferreira Pinto, jurista e vogal do Conselho Fiscal e Disciplinar do Sporting Clube de Portugal.
O Dr. Fernando Ferreira Pinto, jurista e vogal do Conselho Fiscal e Disciplinar do Sporting Clube de Portugal, elaborou o seguinte parecer sobre os PRESSUPOSTOS DE REALIZAÇÃO E FORMALIDADES ESPECIAIS DE CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE SÓCIOS PARA REVOGAÇÃO DO MANDATO DE MEMBROS DO CONSELHO DIRECTIVO DO SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, que publicamos de seguida, na íntegra. I. Consulta 1. Como é do conhecimento público, um grupo de sócios do Sporting Clube de Portugal requereu à Mesa da Assembleia Geral do Clube a convocação de uma reunião extraordinária deste órgão, com o objectivo de deliberar a revogação do mandato dos actuais titulares do Conselho Directivo. 2. Confrontado com esta situação, o Conselho Directivo do Sporting Clube de Portugal solicitou ao Conselho Fiscal e Disciplinar que elaborasse um parecer sobre os pressupostos de realização e formalidades especiais de convocação de uma assembleia extraordinária de sócios que venha a reunir com o aludido propósito. II. Parecer a) Introdução 3. O Sporting Clube de Portugal (doravante, abreviadamente denominado “SCP” ou “Clube”) é uma associação desportiva de direito privado e utilidade pública, que se rege pela lei geral e pelos seus estatutos. A versão actual destes últimos foi aprovada em assembleia geral no dia 23.07.2011 e alterada em assembleia geral que reuniu no dia 24.04.2012. 4. O art. 39.º dos estatutos do SCP dispõe, no seu número 1, que o «mandato dos membros dos órgãos sociais é revogável, individual ou colectivamente, nos termos previstos na lei, podendo ainda a revogação ser deliberada pela Assembleia Geral nos termos dos números seguintes deste Artigo». Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito, que a «revogação do mandato dos membros do Conselho Directivo e do Conselho Fiscal e Disciplinar depende de justa causa e é deliberada em Assembleia Geral comum». 5. Com relevo para o presente parecer, importa, ainda, salientar que: i. O art. 20.º, n.º 1, al. c), do mencionado diploma estatutário confere aos sócios que reúnam os requisitos do n.º 2 do mesmo preceito o direito de «requerer a convocação de Assembleias Gerais extraordinárias, nos termos dos presentes estatutos»; ii. O art. 50, n.º 1, concretiza o referido direito, estipulando, nomeadamente, que o requerimento terá de ser subscrito por «sócios efectivos, no pleno gozo dos seus direitos, com o mínimo de mil votos» e que estes terão de depositar «na tesouraria do Clube a importância necessária para cobrir as despesas inerentes» (al. c)); acrescenta o n.º 2 que, no «caso da alínea c), a Assembleia não pode reunir sem a presença de sócios requerentes que detenham, pelo menos, setecentos e cinquenta votos»; iii. O n.º 3 do art. 39.º dispõe, por outro lado, que a «Assembleia Geral comum extraordinária destinada a pronunciar-se sobre a revogação do mandato será convocada para data não posterior a trinta dias, contados da data em que haja sido requerida, nos termos dos presentes estatutos». 6. Observe-se, por último, que o art. 50.º, n.º 1, referente à iniciativa da convocação de assembleia geral extraordinária, contém uma alínea d) que, de forma um tanto ou quanto desconexa, estatui, na sequência do proémio desse preceito (onde se lê: «Extraordinariamente, a Assembleia Geral comum reúne-se em qualquer data:»), simplesmente o seguinte: «votar a revogação com justa causa do mandato dos titulares dos órgãos sociais, nos termos dos presentes estatutos». b) Pressupostos da convocação 7. No que respeita à cessação de funções dos titulares dos órgãos das associações, a regra geral é a da livre revogabilidade do mandato, a qualquer momento (art. 170.º, n.º 2, primeira parte, do Código Civil). Significa isto que, se os estatutos da associação não dispuserem o contrário, a revogação do mandato daqueles titulares não depende da verificação de justa causa, podendo ser deliberada a todo o tempo. 8. O art. 170.º, n.º 3, do mesmo diploma abre, porém, a possibilidade de o estatuto social condicionar o direito de revogação à existência de justa causa. Deste modo, a última palavra na matéria é remetida para o contrato de associação, permitindo-se que este derrogue aquela regra geral, no sentido indicado. 9. A primeira questão que se coloca em face dos estatutos do SCP é, precisamente, a de saber se estes consagraram semelhante derrogação à regra da livre destituibilidade dos membros dos respectivos órgãos sociais. Isto, porque, como acima se observou, o art. 39.º, n.º 1, daquele documento começa por afirmar, enfaticamente, que o «mandato dos membros dos órgãos sociais é revogável, individual ou colectivamente, nos termos previstos na lei», só depois acrescentando que a revogação pode ainda ser deliberada pela assembleia geral nos termos dos números seguintes do mesmo artigo. 10. Numa leitura apressada, pareceria, portanto, que a revogação do mandato dos membros dos órgãos do SCP poderia ocorrer, por um lado, nos termos da lei, ou seja, ad nutum e a todo o tempo, e, por outro lado, nas demais situações e condições contempladas nos números seguintes do art. 39.º. Não pode, evidentemente, aceitar-se uma tal interpretação. É que, se assim fosse, deixaria de fazer sentido a disposição especial do n.º 2 do art. 39.º, já que, quem pode o mais, pode, necessariamente, o menos. Quer dizer: se os sócios do SCP pudessem revogar livremente, sem invocação de qualquer causa justificativa e a todo o tempo, o mandato dos titulares dos órgãos sociais do Clube, a regra do cit. n.º 2 não teria sentido útil, pois nada acrescentaria àquela faculdade geral. Acresce ao exposto que, mesmo numa interpretação estritamente apegada à letra das estipulações estatutárias em causa, afigura-se inequívoco que a regra do n.º 2 aparece formulada como sendo especial relativamente à do n.º 1, de modo que a destituição dos membros dos órgãos nela referidos só poderá ocorrer mediante invocação e constatação de justa causa. O que bem se compreende, dado que, a ser de outro modo, se atribuiria a um pequeno número de sócios e/ou votos, tomando por referência o total de votos do colégio eleitoral do Clube, a faculdade de a todo o momento e sem cuidar de causa justificativa colocar em causa a deliberação adoptada em Assembleia Geral Eleitoral, tipicamente circunstanciada, participada e informada. Terá sido essa a preocupação fundamental dos sócios do Sporting, corporizada nos Estatutos, ao sujeitar um acto daquela importância à verificação de requisitos particularmente exigentes: assegurar um mecanismos de revogação de mandato em situações excepcionais e comprovadas, mantendo todavia um princípio de estabilidade relativamente às deliberações (eleição) adoptadas em Assembleia Geral Eleitoral, por definição mais estruturantes e participadas. 11. Posto o que antecede, temos que a revogação do mandato dos titulares do Conselho Directivo do SCP fica condicionada à verificação de justa causa de destituição, sendo este, portanto, um pressuposto objectivo da extinção do mandato e da convocação de assembleia geral que tenha esse propósito. Importa, por isso, precisar um pouco mais o que, neste contexto, se entende por justa causa. 12. Sem entrar em desnecessários desenvolvimentos, diremos que, tendo presente o anteriormente escrito, a locução «justa causa», maxime quando utilizada no contexto da destituição dos titulares de órgãos de pessoas colectivas, corresponde a um conceito normativo (uma «cláusula geral») que é susceptível de compreender duas modalidades: a justa causa subjectiva e a justa causa objectiva. Em ambos os casos, o que releva é a verificação de circunstâncias que tornem intolerável ou inexigível a manutenção do vínculo jurídico ou a prossecução do exercício duradouro de certas funções. Terá, pois, de assentar em motivos importantes ou em razões sérias que perturbem gravemente o desenvolvimento de uma relação de carácter duradouro, possuindo dignidade suficiente para, em face da sua ocorrência, não se poder exigir ou aceitar que essa relação se mantenha. 13. O que diferencia as duas categorias de justa causa é que, enquanto a justa causa subjectiva pressupõe o incumprimento (geralmente, grave e culposo) de deveres legais ou estatutários que recaem sobre determinada(s) pessoa(s), a justa causa objectiva assenta em circunstâncias não imputáveis aos envolvidos na relação (factos supervenientes que destroem a base de subsistência da relação entre eles). 14. Pensando na hipótese concreta de revogação do mandato dos titulares do órgão de direcção de uma associação, o que estará em causa é a verificação de factos que, objectivamente, impossibilitem ou tornem absolutamente inexigível a manutenção das respectivas funções, ou, então, a ocorrência de violações graves ou reiteradas dos respectivos deveres legais e estatutários. Entram na primeira alternativa situações de doença do titular do cargo que o incapacitem para o exercício das suas funções ou outras circunstância objectivas (e, portanto, que lhe não sejam imputáveis) que perturbem gravemente a relação de mandato Na segunda alternativa, terá de se verificar se o membro do conselho directivo cujo mandato se pretende fazer cessar cometeu, nessa qualidade e relativamente à instituição em cujo âmbito foi eleito, violações dos deveres que a lei ou os estatutos sociais lhe imponham. A imputação é, neste último caso, subjectiva, devendo fundar-se em concretas condutas ilícitas que sejam atribuíveis ao titular do órgão que se pretende destituir, a título de dolo ou de negligência, não bastando alegações genéricas ou que respeitem a factos que não tenham que ver com a associação em causa ou que não hajam sido por ele praticados. c) Legitimidade e formalidades de convocação 15. Como acima se observou, os estatutos do SCP conferem legitimidade aos sócios para convocar assembleias gerais extraordinárias, exigindo, no entanto, que o requerimento seja subscrito por «sócios efectivos, no pleno gozo dos seus direitos, com o mínimo de mil votos» e que estes depositem «na tesouraria do Clube a importância necessária para cobrir as despesas inerentes» (art. 50.º, n.º 1, al. c)). Trata-se da concretização de uma permissão legal, dado que o art. 173.º, n.º 2, do Código Civil, admite que os estatutos de uma associação fixem o número de associados exigível para a convocação da respectiva assembleia geral. 16. Os sócios requerentes deverão satisfazer as condições seguintes: i. Individualmente, terá de tratar-se de sócios efectivos (e, portanto, maiores de idade), que se encontrem no pleno gozo dos seus direitos e que hajam sido admitidos como sócios do Clube há, pelo menos, 12 meses ininterruptos (cfr. arts. 16.º, 20.º, n.º 2, e 50.º, n.º 1, al. c)); ii. Colectivamente, terão de ser titulares de, pelo menos, mil votos. Além disso, deverão tais sócios depositar, previamente à convocação, a importância necessária para cobrir as despesas inerentes à realização da reunião que pretendem convocar. 17. Recebido o competente requerimento, a Mesa da Assembleia Geral e, em particular, o seu Presidente (enquanto titular de um poder-dever de convocação de reuniões de sócios funcionalmente vinculado ao cumprimento dos competentes requisitos legais e estatutários) deverá assegurar-se, por um lado, de que os sócios requerentes têm legitimidade para requerer a convocação – o que passa, entre outras coisas, por certificar-se da identidade dos signatários e, depois disso, por verificar se eles são, na realidade, sócios efectivos do SCP com mais de 12 meses de filiação ininterrupta, que se encontram no pleno gozo dos seus direitos e que reúnem o número de votos exigidos pelos estatutos – e, por outro lado, de que: i. no requerimento convocatório se invocam, de forma circunstanciada e precisa, factos que verosimilmente possam configurar justa causa de destituição dos titulares que se pretendem remover do cargo (nomeadamente, por traduzirem violações graves ou reiteradas dos respectivos deveres funcionais); ii. os signatários de tal requerimento efectuaram o depósito das quantias necessárias para fazer face aos custos normalmente implicados pela realização de uma assembleia geral do SCP. Estando em causa a destituição colectiva dos titulares do órgão de direcção, os factos justificativos da pretensão de destituição terão, naturalmente, de ser imputáveis a todos eles. 18. Constatada a verificação dos pressupostos acabados de referir, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral deverá convocá-la com a antecedência mínima de oito dias, nos termos e com as formalidades prescritas no art. 51.º, n.º 1, dos estatutos do SCP, mas entre a data escolhida e a data em que haja recebido o pedido de convocação não poderão mediar mais de trinta dias (cfr. art. 39.º, n.º 3, do mesmo diploma). Se, pelo contrário, o Presidente da Mesa se aperceber, pelo exame do requerimento convocatório, de que os factos alegados para justificar a pretensão revogatória, ou não são imputáveis aos dirigentes sob escrutínio, ou, patentemente, não têm virtualidade para constituir justa causa de destituição, deverá o mesmo abster-se de convocar uma reunião do colectivo de sócios com o aludido propósito. É assim porque, como se referiu, o Presidente da Mesa é titular de um poder-dever vinculado, não lhe sendo lícito convocar uma reunião de sócios em contravenção à lei e aos estatutos do SCP.. 19. Observe-se, por último, que o art. 50.º, n.º 2, dos estatutos do SCP impõe um especial quórum constitutivo para as assembleias gerais extraordinárias que sejam convocadas a requerimento de sócios, nos termos da alínea c), do n.º 1, da mesma disposição estatutária: nesse caso, a assembleia não poderá reunir, seja em primeira ou em segunda convocação, sem a presença de sócios requerentes que detenham, pelo menos, setecentos e cinquenta votos. III. Conclusões 20. Procurando sintetizar o que antecede, dir-se-á que: i. De acordo com a lei interna do SCP, os titulares do respectivo Conselho Directivo só podem ser antecipadamente removidos do cargo, por iniciativa dos sócios do Clube, se se verificar justa causa de destituição; ii. O conceito de justa causa não pode ser deixado ao arbítrio dos sócios do SCP, antes pressupõe, ou a ocorrência de circunstâncias objectivas que manifestamente impeçam a continuidade do mandato dos membros dos órgãos sociais, ou a prática, por estes últimos, de concretos actos ilícitos culposos; iii. Constitui pressuposto da convocação de uma assembleia geral do Clube, a pedido dos sócios e com o objectivo de destituir os titulares do Conselho Directivo, que o requerimento convocatório consigne a descrição de factos concretos que sejam imputáveis àqueles e que, com toda a verosimilhança, possam constituir justa causa de destituição; iv. Tais factos deverão, por isso, traduzir-se em condutas ilícitas e culposas perpetradas pelos titulares daquele órgão de governo e, portanto, terão de revelar-se contrários à lei ou aos estatutos do SCP; v. O Presidente da Mesa tem o poder-dever de convocar a assembleia geral do Clube desde que, previamente, se assegure de que os sócios-requerentes possuem a necessária legitimidade individual e colectiva e de que o conteúdo do requerimento satisfaz os pressupostos (objectivos) prescritos pelos estatutos do SCP.