Um senhor a jogar, a falar e a vestir
28 Ago, 2015
Funeral de Mascarenhas realiza-se na próxima segunda-feira
"Oh, tu andaste a comprar os outros... Assim também eu marcava seis ou sete golos!”. Na década de 90, Vasques trabalhava na Loja Verde do Sporting e Mascarenhas estava na Sala de Troféus do Clube, no piso intermédio do antigo Estádio, do lado oposto à sala de Direcção nesse patamar onde também passavam muitas vezes Jesus Correia e Travassos, a caminho de uma visita aos núcleos ‘leoninos’. Lá mais em baixo, junto da porta 10A, andavam também Hilário, Fernando Mendes, Mário Lino, Osvaldo Silva e Carvalho, entre tantos outros. As duas maiores gerações de sempre do futebol ‘verde e branco’, por aquilo que ganharam em termos de quantidade (Cinco Violinos) e ‘qualidade’ (Taça dos Vencedores das Taças), privavam diariamente e tinham uma relação boa, sadia, carinhosa, unida pelo amor a uma causa dentro e fora dos relvados. Vasques, pessoa brincalhona e capaz de fazer rir uma sala inteira a noite toda com Jesus Correia, não perdia uma oportunidade para se meter com Mascarenhas. O avançado, nascido em Angola em Abril de 1937, sorria. Sempre vestido de forma aprumada, de fato e gravata como mandava a boa educação pela qual ainda é recordado, era um Senhor a jogar, a falar e a vestir. Mais: ainda hoje tem o recorde de golos apontados num jogo das competições europeias, os seis na goleada por 16-1 ao Apoel que Vasques tantas vezes recordava da forma como o texto se inicia. Domingos António da Silva faleceu na passada terça-feira, com 78 anos, vítima de doença prolongada.
Mascarenhas, que sofreu um AVC em 2008, foi um guerreiro até ao fim e esteve décadas ligado ao Clube do coração, aquele que o fez chorar quando, ao serviço do Barreirense, fez dois golos aos ‘leões’. Após passagem pelo Benfica e pelo conjunto do Barreiro (depois de Alvalade, ainda andou por CUF, Peniche, Riopele e P. Ferreira), chegou ao Sporting em 1962, realizando o sonho de jogar de ‘verde e branco’ e contribuindo de forma decisiva para o imaginário de milhões de adeptos: a conquista da Taça das Taças, única prova internacional do currículo ‘leonino’, onde marcou 11 golos em 11 partidas disputadas (em 43 dias fez quatro encontros a marcar de forma consecutiva, entre Atalanta e Apoel).
Cinco, 20, 27, 57, 84 e 88, os minutos a que marcou aos cipriotas, são ainda hoje uma chave para a qual mais nenhum avançado conseguiu decifrar o código em termos europeus. No total, e ao longo de três temporadas, Mascarenhas apontou 80 golos em 107 jogos, 48 dos quais (em 59 partidas) de carácter oficial. O antigo companheiro Pedro Gomes recorda “o gentleman com quem fazia parceria no Totobola”. “Ganhámos uma vez o segundo prémio, mais de um mês de ordenado”, explicou. “Foi um grande colega e amigo, mais um que vai deixar saudades daquela equipa”, acrescentou Carvalho. “Era uma pessoa educada, muito humilde e amigo de todos”, completou Hilário. As palavras cruzam-se todas num só destino: um Homem bom. Tão bom que Mavroudes, o guarda-redes cipriota que sofreu os seis históricos golos mas que ficou seu amigo, chegou a fazer-lhe uma visita em Lisboa. Adeus Mascarenhas. E obrigado por tudo.
O corpo de Mascarenhas chegará às 16 horas de domingo, dia 30, à Igreja dos Anjos para ser velado. No dia seguinte, às 11 horas, haverá uma missa de corpo presente antes da saída para o cemitério do Alto de São João, prevista para as 11h30. A cremação está marcada para as 12 horas de segunda-feira.