O homem que nasceu Travassos e se tornou o Zé da Europa
28 Jul, 2016
Com brilhantina no cabelo e magia nos pés, o rapaz que aos 13 anos foi convidado a comer mais batatas e bacalhau tornou-se num dos eternos cinco violinos. Até a Europa se rendeu ao seu futebol perfumado
Estava de férias, na Costa da Caparica, em pleno Verão de 1955, quando recebeu um telegrama inesperado – e totalmente inédito no futebol nacional – a convocá-lo para alinhar na Selecção da Europa, que iria defrontar a Grã-Bretanha, em Belfast, na festa do 75.º aniversário da Federação Irlandesa de futebol.
Primeiro achou que fosse uma brincadeira de mau gosto, mas quando percebeu que o convite era oficial, Travassos foi para Alvalade treinar. Correu na pista de atletismo, praticou ginástica e exercitou-se com uma bola de borracha. Mas não ficou por aqui: todos os dias de manhã, levantava-se bem cedo para esticar as pernas com um pouco de ‘jogging’ na Costa. O esforço valeu a pena e não tardou a encantar a crítica. Mesmo aos 33 anos, quando o Violino já não tinha a mesma melodia. Dos seus pés saíram dois golos: “Ganhámos por 4-1, mas podíamos ter dado 10 à Inglaterra!”, afirmou depois do jogo.
Recebeu 25 libras como prémio, uma placa comemorativa e fez as malas para Lisboa. À chegada ao aeroporto da Portela, tinha à sua espera uma multidão em festa que o baptizou de Zé da Europa. Uma alcunha honrosa para aquele menino que em 1922 nasceu na quinta do Lumiar – onde estava erguida a bancada nova do antigo estádio José Alvalade –, com o nome de José Travassos. Prova disso são as palavras de um jornalista inglês enviado a Belfast: "Portugal não figura entre os seis primeiros países da Europa do futebol, mas possui um interior-direito que vale quatro mil contos. Com um penteado impecável, é tão brilhante com os pés como o seu inalterável penteado de brilhantina".
De facto, a visão de jogo apurada, a capacidade de remate, os passes fabulosos, os dribles estonteantes e a veia goleadora, eram qualidades ímpares que fizeram do médio criativo um fora de série. Um autêntico estratega no meio campo do Sporting, que de leão ao peito marcou as décadas de 40 e 50 com vários títulos: oito Campeonatos Nacionais, duas Taças de Portugal, um Campeonato de Lisboa e uma Taça 1.ª Categoria. Ao lado de nomes como Jesus Correia, Albano, Peyroteo e Vasques, formou uma linha ofensiva inesquecível, tornando-se um dos eternos Cinco Violinos.
Um feito impensável para o jogador que aos 13 anos era aprendiz de torneiro e ao tentar realizar o seu sonho de jogar no Sporting, viu o técnico Joseph Szabo mandá-lo comer bacalhau com batatas por ser demasiado esguio. Ainda assim, Travassos nunca deixou de amar o seu Clube e mais tarde, quando foi cobiçado pelo FC Porto, numa altura em que jogava na CUF, deixou o seu Sportinguismo falar mais alto (1946). Com um ordenado de 700 escudos por mês, justificou a contratação com três golos no dérbi dessa época frente ao Benfica (6-1), que lhe valeram um relógio de ouro como prémio.
Ao fim de 13 épocas de leão ao peito, e inúmeras lesões – as entradas duras dos adversários obrigaram-no a retirar três dos quatro meniscos –, decidiu pendurar as botas e deixar o negócio de arcas refrigerantes, que montou com Vasques, para se dedicar à caça, a sua outra grande paixão.
Faleceu em 2002, aos 75 anos, como um dos melhores médios portugueses de sempre. Leia-se Travassos, ou Zé da Europa, se preferir.
Travassos em números:
Temporadas: 13
Títulos: 8 Campeonatos Nacionais, 2 Taças de Portugal, 1 Campeonato de Lisboa 1, Taça 1.ª Categoria
Jogos: 321
Golos: 127
Lista de vítimas: Académica: 15 golos; Sp. Covilhã: 11 golos; Oriental: 10 golos; Elvas: 9 golos; V. Guimarães: 9 golos;Belenenses: 9 golos; Benfica: 8 golos; Atlético: 8 golos; Estoril: 7 golos; V. Setúbal: 6 golos; Barreirense: 6 golos; FC Porto: 4 golos; Sp. Braga: 4 golos; Caldas: 3 golos; Famalicão: 2 golos; Lusitano VRSA: 2 golos; Boavista: 2 golos; Olhanense: 2 golos; Salgueiros: 2 golos; Lusitano Évora: 2 golos; CUF: 2 golos; Atl. Madrid: 1 golo; Marítimo: 1 golo; Despertar Beja: 1 golo; Leixões: 1 golo