O defesa que quase não via cartões
Por sporting
04 Abr, 2013
04 Abr, 2013
As recordações de Carlos Pereira, antigo jogador do Sporting (e mais tarde treinador) que passou 15 anos sem ser castigado.
Carlos Pereira conhece o Sporting como poucos. Enquanto jogador, esteve ao serviço do nosso Clube durante 13 anos e como treinador, trabalhou na formação «leonina» e foi adjunto de Paulo Bento na equipa técnica da formação principal, entre Outubro de 2005 e Novembro de 2009. Treinou ainda o Belenenses e o Alverca. Irmão de Aurélio Pereira, principal responsável pelo Departamento de Recrutamento do Sporting, viu a sua dedicação aos «leões» reconhecida em 2008, ano em que lhe foi atribuído o Prémio Stromp, na categoria Especial. “A minha chegada ao Sporting, quando tinha 13 anos, surgiu da forma habitual aos miúdos daquela altura: sabíamos das datas dos treinos de captações e lá íamos nós mostrar-nos aos treinadores... O meu irmão já lá estava e eu queria seguir-lhe os passos. Juntei-me ao pé da porta 10-A com muitos outros rapazes e fui escolhido essencialmente devido à minha altura, pois era dos mais altos, embora naturalmente aliado a alguma habilidade. E quem fez a selecção foi nem mais nem menos do que o grande José Travassos”, recorda. Na altura, o jovem Carlos estava longe de imaginar que anos mais tarde iria tornar-se futebolista profissional. “O nosso pai deu-nos uma educação muito rígida e sempre nos transmitiu a ideia que o mais importante era a escola. Confesso que nunca pensei que ele nos desse autorização para jogar no Sporting”, confessa. Mas afinal como foi possível convencer o severo senhor Pereira? “Tivemos a sorte de termos um tio que era um grande sportinguista que ficou uns dias na nossa casa, coincidindo com os nossos treinos de captação. Ele acabou por convencer o meu pai, que nos concedeu autorização para jogarmos no Sporting”, explica. Carlos Pereira foi progredindo nos escalões jovens do Sporting e passou a sénior em 1968/69, ao serviço da equipa de reservas, onde esteve mais uma época. Actuou ainda pelo União de Tomar e com 23 anos cumpriu o sonho de ascender à principal equipa «leonina». Foi uma progressão paciente mas bem calculada. “Fui sendo preparado para ser o substituto do Hilário, pois ele foi cimentando a ideia de se retirar e por isso até recusei um convite para jogar na Académica, onde poderia conjugar o futebol com os estudos na Universidade. Mas fiquei com ligação ao Sporting, que me cedeu uma época ao União de Tomar. Regressei e fui lançado pelo treinador Ronnie Allen como substituto do Hilário”, lembra. De resto, Hilário foi alguém muito importante na sua carreira. “Tenho enorme estima por ele, é como se fosse da minha família. Ajudou-me muito, deu-me imensos conselhos naquela fase, em que ele ainda estava integrado no plantel, embora pedindo para não jogar. No fundo, funcionava como um segundo treinador para mim e um ombro amigo sempre presente, foi como um pai para mim e estou-lhe muito grato para todo o sempre”, elogia, agradecendo ainda a ajuda que lhe foi prestada por nomes como Fernando Mendes, Carvalho, José Carlos e Pedro Gomes. Para quem não o viu jogar, Carlos Pereira explica que tipo de futebolista era: “Defendia melhor do que atacava, mas naquela altura os laterais eram mais cautelosos. E seguia o exemplo do Hilário, que preferia jogar pelo seguro. Ele era o meu modelo e copiei a sua forma de jogar, com uma vantagem: eu era canhoto, enquanto ele era destro”. E apesar de ser defesa, destacava-se pela correcção com que marcava os adversários. “Recebi o Cartão de Mérito Desportivo, que me dava entrada em todos os estádios do país, pois ao longo de 15 anos não recebi um único castigo disciplinar, devido a cartões amarelos ou vermelhos. E atenção que eu jogava muito de carrinho, só que sempre com lealdade”, salienta. Por outro lado, garante que noitadas e excessos não eram com ele: “Fui um profissional que sempre se cuidou em casa, com muito treino invisível. E nunca cheguei atrasado a um treino”. No final da carreira como futebolista, Carlos Pereira abraçou o cargo de treinador. “Eu era um jogador muito comunicativo e habituei-me a dar instruções aos meus companheiros. Isso, aliado a alguma capacidade de liderança, foi porventura o que me levou ao cargo de treinador. No Belenenses, tive uma lesão em 1982, numa época marcante, porque o clube desceu pela primeira vez de divisão. Nessa fase em que não podia jogar, a direcção entendeu que eu poderia ser o treinador, juntamente com o Nelo Vingada. Entusiasmado pelo Artur Jorge, que me dizia que eu poderia dar um bom técnico, lá me decidi a aceitar…”, conta. Na formação «leonina», Carlos Pereira teve a oportunidade de orientar promessas que viriam a tornar-se grandes jogadores. “O Cristiano Ronaldo, por exemplo. E lembro-me de uma fantástica equipa de iniciados que foi campeã nacional só com vitórias, na qual pontificavam Figo, Peixe, Porfírio, Abel Xavier Andrade e Paulo Santos”, salienta, lembrando que também foi campeão nacional nos escalões de juvenis e juniores, com outras equipas. Carlos Pereira salienta ainda o “excelente trabalho” realizado pelo seu irmão Aurélio Pereira, “o principal rosto deste sucesso” e por “muitos profissionais que trabalham na Academia, nomeadamente todos aqueles que têm a função de escolher os jogadores”. Carlos Pereira fez parte da equipa técnica liderada por Paulo Bento, que entre 2005 e 2009 esteve ao serviço do nosso Clube, tempos que recorda com saudade. “Foram quatro anos positivos, terminámos sempre em segundo lugar e em dois deles discutimos o título nacional com o FC Porto até ao final. Ganhámos duas Taças de Portugal e duas Supertaças e chegámos a duas finais da Taça da Liga. E lembro que havia muito pouco dinheiro para fazer contratações, enquanto nos nossos cofres entraram elevadas quantias com a transferência de alguns jogadores”, enaltece. Texto: André Cruz Martins Foto: Melissa Duarte