Histórias imortais do grande Agostinho
Por sporting
13 Abr, 2013
13 Abr, 2013
Francisco Araújo, mecânico do mais extraordinário ciclista português de sempre, conta episódios do grande campeão.
Francisco Araújo era muito mais do que o mecânico de Joaquim Agostinho. Era o confidente e um dos melhores amigos do mais fantástico ciclista português de todos os tempos, que completaria 70 anos no último domingo, 7 de Abril. Já passaram quase 29 anos sobre a trágica morte de Joaquim Agostinho, numa etapa da Volta ao Algarve, mas não há dia em que Araújo “Sacavém” – ganhou a alcunha por ser natural desta freguesia – não se lembre do seu amigo. “A 10 de Maio [dia do falecimento de Joaquim Agostinho] vou todos os anos pôr uma coroa de flores na campa dele, que está no cemitério de Torres Vedras. Este ano lá estarei”, promete. Francisco Araújo, que ainda hoje, aos 78 anos, se apresenta como Mecânico Internacional de Ciclismo, enaltece as qualidades humanas da maior figura do ciclismo do nosso Clube. “Era um grande amigo meu, ajudou-me muito. Aliás, uma das suas grandes qualidades era a bondade. Por vezes, prejudicava-se a ele próprio para beneficiar os outros. Eu cheguei a dizer-lhe muitas vezes para que tivesse em atenção essa situação, mas ele era mesmo assim, não havia nada a fazer”, conta. Francisco Araújo estava naturalmente muito perto de Joaquim Agostinho quando este sofreu a fatídica queda na Volta ao Algarve, em 1984. “Vejo dois cães, um maior e outro mais pequeno, a passarem pelo pelotão e percebo que ele bate no cão grande e depois cai com a cabeça no chão. Saio do carro de apoio e vou direito a ele, que me diz ‘Araújo, mete-me em cima da bicicleta’, algo que ele nunca me tinha pedido. Percebi logo que a situação era grave. A cabeça inclinava-se para a frente e o pé esquerdo não assentava no pedal”, recorda. Joaquim Agostinho foi para a pensão onde a equipa do Sporting estava hospedada e pouco depois começou a vomitar. “Levaram-no para o Hospital de Loulé, mas não havia um médico para tratar do problema, depois foi para o Hospital de Faro, também não resolveram nada e claro, foi piorando… Depois, transportaram-no de ambulância para Lisboa e ele entrou em coma e nunca mais recuperou. Se estivéssemos no estrangeiro, teria certamente sobrevivido”, defende. Ironicamente, foi um cão a provocar a morte a Agostinho, ele que tinha vários cães, cavalos, bois e outros animais na sua quinta em Santa Cruz. Em tantos anos de intensa amizade, são naturalmente muitas as histórias curiosas que Araújo «Sacavém» tem para contar sobre Joaquim Agostinho. “Certa ocasião, estávamos num estágio em Saint-Tropez e fomos almoçar a Itália, ali ao pé da fronteira. Foi ele a conduzir o carro, quando um polícia nos mandou parar, depois de passarmos um sinal vermelho. Mandou-o encostar, pediu-lhe os documentos e quando percebeu que estava a falar com o Joaquim Agostinho disse-lhe que também tinha sido ciclista e não o multou, avisando-o que a pena para aqueles casos era de 500 francos [cerca de 76 euros ao câmbio actual] o que era muito dinheiro para aquela altura”, conta. Joaquim Agostinho era adepto de uma mistura curiosa.“Gostava muito de beber champanhe enquanto comia bolachas. Passámos muitas noites dessa forma, a desabafar sobre a nossa vida. Ao almoço e ao jantar, a comida preferida dele era calamares”, diz. Foi Francisco Araújo quem inventou a célebre expressão «curvas à Agostinho», explicando a sua origem. “Todos se lembram da força incrível que ele tinha, mas muitas vezes ele apanhava uma curva e ia em frente, eram as chamadas ‘curvas à Agostinho’… Até porque ele passou a ser ciclista muito tarde, com apenas 25 anos, não teve escola. Quando veio do Ultramar, comprou uma bicicleta e aprendeu muito depressa, tornando-se num ciclista fantástico, o melhor que já existiu e algum dia existirá em Portugal. Sim, porque não acredito que apareça alguém com a sua capacidade”, antevê. Francisco Araújo chegou ao Sporting em 1957 e saiu em 1998. Foram 41 anos ao serviço do nosso Clube como mecânico do ciclismo, mas também como funcionário no antigo estádio, que recorda com enorme saudade. “Era a minha segunda casa, fui sempre muito bem tratado. Aliás, sou do Sporting desde a juventude, devido aos Cinco Violinos”, conta. Os 41 anos que passou no nosso Clube são recordados com muita saudade. “Foi uma altura muito boa da minha vida, o Sporting ajudou-me muito e só tenho pena que o ciclismo tenha terminado em 1987. O presidente João Rocha não me deixou vir embora e fiquei a trabalhar na parte da manutenção do estádio, o meu chefe era o senhor António Maia. No entanto, havia equipas de ciclismo que queriam contar com o meu apoio durante a Volta a Portugal e nessas alturas, o Sporting dispensava-me, nunca me ‘cortou as pernas’, o que sempre agradeci”, acrescenta. O Sporting reconheceu a sua dedicação incansável e atribuiu-lhe o Prémio Stromp. Foi ainda Sócio de Mérito da Federação Portuguesa de Ciclismo e da Associação de Ciclismo de Lisboa. Francisco Araújo construiu um Museu do Ciclismo na sua casa no bairro de Arcena, em Alverca. É lá que reúne um espólio impressionante, desde inúmeras camisolas de equipas de ciclismo, passando por medalhas, fotografias, taças, galhardetes e fichas de inscrição de muitos atletas com quem trabalhou e mais de 30 mil recortes de jornais. E ainda fatos dos Jogos Olímpicos em que participou. Texto: André Cruz Martins Foto: Melissa Duarte