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Chutar as couves à falta de bacalhau

Por sporting
27 Mar, 2015

Perfil de José Travassos, o mítico Zé da Europa que dava música nos Violinos

O pequeno José sempre foi um geómetra. Desde pequeno. O pai era rendeiro numa quinta na Alameda das Linhas de Torres e, durante a infância, qualquer couve que carecesse de simetria nos sucalcos das plantações era merecedora de um pontapé tal qual uma bola se tratasse (o que também lhe valeu uns quantos castigos, acrescente-se). Mais tarde, quando chegou a um treino experimental no Clube do seu coração, o Sporting, ouviu um simples “tens de comer mais batatas e bacalhau” (que nos dias de hoje se poderia traduzir por proteínas e hidratos de carbono...) a propósito da fisionomia esguia e franzina. É no meio desta miscelância gastronómica tipicamente nacional que cresce e surge um dos maiores génios do futebol português: José Travassos. Ou ‘Zé da Europa’, por ter sido o primeiro jogador do País a representar a Selecção do Velho Continente num encontro frente à Grã-Bretanha – estávamos em Agosto de 1955 quando, a banhos na Costa da Caparica, recebeu a notícia e começou a preparar-se para o duelo de forma afincada. A sua equipa ganhou (como era habitual, convenhamos) e, após o jogo em Belfast, o Sporting recebeu uma carta da União das Associações Europeias de Futebol. “Pretendemos agradecer a presença do jogador e o papel ingrato de assegurar a ligação das linhas, que desempenhou com mestria”, lia-se na missiva. “É tão brilhante com a bola nos pés como o seu inalterável penteado de brilhantina”, escreveu um jornal inglês. O futebol de Travassos era um perfume demasiado sedutor para passar ao lado da crítica nacional e europeia. E as palavras imortalizaram a acção da lenda. Nascido a 22 de Fevereiro de 1926, numa casa entre dois recintos ‘leoninos’ (Campo Grande e Lumiar), cedo demonstrou o jeito invulgar para uma arte avessa aos gostos da família, que recusava desviar parte do orçamento para a compra de uma bola. Assim, o pequeno Zé e os amigos lá iam aos treinos dos ‘leões’ pedir ao Tio Augusto para encher uma bola velha e fazer as delícias da criançada. No entanto, os tempos não eram fáceis e, com 13 anos, fez-se à vida e teve de ir trabalhar. A experiência como aprendiz de torneiro não lhe encheu as medidas e passou depois para ajudante de mecânica de automóveis, o ramo onde se sentia mais à vontade. Aí e com a bola nos pés, claro, algo que conseguiu conjugar com o trabalho na CUF, aos 16 anos, após uma autorização especial do Ministro por causa da idade. Jogava futebol, trabalhava nas oficinas e, pelo meio, ainda se destacava no atletismo, em 80 e 100 metros. No final da temporada de 1945/46, o FC Porto enamorou-se pelo seu jeito invulgar para o futebol e, aproveitando uma passagem por Lisboa, tentou garantir o seu passe. E, em parte, quase conseguiu, numa história onde Travassos andava por hotéis no Norte ‘escondido’ do interesse ‘leonino’ que, a certa altura, se tornou concreto. O jogador não resistiu ao apelo de envergar a camisola do seu Clube do coração e, aproveitando o impasse, fez chegar aos responsáveis do Sporting a sua localização. Aí, foi chamado para a inspecção militar através de um telegrama, uma forma de encobrir outra missão: afinal, o seu ‘serviço’ de tropa era jogar de ‘verde e branco’. A troco de 20 contos e um ordenado de 700 escudos por mês, passou a representar a ‘sua’ formação, tendo também um outro trabalho paralelo (mais tarde, e com ajuda do Clube, iria realizar o outro sonho extra futebol, fundando com Vasques a Cofril, que reparava aparelhos refrigerantes). O resto é história: fez parte da sinfonia imparável dos Cinco Violinos e ganhou oito Campeonatos Nacionais, duas Taças e um Campeonato de Lisboa, além de ter feito um ‘hat-trick’ no primeiro ‘derby’ com o rival Benfica (6-1). Fez 321 jogos oficiais (cerca de 450 no total) pelo Sporting, mesmo com algumas lesões no menisco à mistura, apontando 127 golos (cerca de 200 atentando em todos os encontros). Em 1959, deixou o futebol e dedicou-se a outra paixão: a caça. Não sem antes ter disparado com força no coração de Sportinguistas e amantes do desporto. O homem (e jogador) gentil e inteligente era e será um exemplo que partiu em 2002 mas ficará para sempre.