O Céu é Verde
14 Set, 2017
Editorial do Director do Jornal Sporting na edição n.º 3641
Foi um fim-de-semana triste, não só para mim mas como para todos os familiares, amigos, para todos os Sportinguistas, para quem se cruzou com Maria de Lourdes Borges de Castro. A nossa amiga e consócia n.º 4 deixou-nos na passada sexta-feira, dia em que defrontámos e ganhámos no último minuto ao Feirense. A estrelinha já brilhava no céu a olhar para o seu/nosso Sporting, a reluzir, mas eu já não recebi o seu telefonema…
Sou um privilegiado por ter tido a felicidade de privar e ter tido como amiga Maria de Lourdes Borges de Castro. Uma referência e sem qualquer tipo de dúvidas um exemplo a seguir enquanto monumento à vida. Uma das figuras mais jovens, frontal, vibrante e destemida que conheci. Com os seus 94 anos continuava com uma linha de raciocínio e de afirmação dos seus ideais e convicções, de forma ímpar. Disso fez, uma vez mais, prova quando nos vimos pela última vez, uns dias antes da sua partida, na visita que lhe fiz na companhia do Presidente Bruno de Carvalho que carinhosamente tratava por “namorada”.
Consciente do seu estado de saúde e já de muitas privações, não deixou por isso e com muita lucidez de lançar alertas ao seu “namorado” para que ele estivesse atento e assim se proteger. Conhecedora como ninguém da história e vivência do nosso Clube, das suas personagens e actores, foi dizendo, “oh Bruno esse não gosta de si…”, “esse sempre foi fraca figura…” ou então, “esse nunca foi de confiança…”. Mas também discorreu sobre outros feitos do seu Sporting e sobre o Pavilhão João Rocha que queria visitar pois toda a gente lhe dizia que estava muito bonito pelo que já tinha combinado com o seu amigo José Estorninho (nosso Conselheiro Leonino e presidente do Grupo Stromp) ir visitá-lo.
Percebemos que não seria fácil, pelo que o Presidente Bruno de Carvalho combinou comigo fazer-lhe chegar fotos ampliadas em A3 – já que não poderia ir ao Pavilhão, iria este ter consigo. Confidenciou-nos o seu filho Humberto que lhe mostrou as fotos, lhe explicou os diversos pormenores, seguindo a explicação com muita curiosidade e interesse, exclamando: “é muito bonito!”.
Falávamos frequentemente e impressionava-me como uma pessoa com a sua idade e que tantas convulsões históricas viveu ao longo da vida se adaptava com tal facilidade, nomeadamente às tecnologias. Sempre actualizada, não foram poucas vezes em que me ligou e me questionava: “meu querido (como carinhosamente me tratava e que eu retribuída com igual afecto) já viu esta notícia?” Por vezes desconhecendo e disso lhe dava conta, de imediato me dizia: ”Vou já enviar-lhe por e-mail”. Achava uma delícia...
Maria de Lourdes Borges de Castro dispensa qualquer tipo de apresentações e a sua vida fala por si. No Sporting Clube de Portugal foi, e este para si, tudo. Atleta, dirigente, tendo sido a primeira Senhora eleita Conselheira Leonina. Entre outras, recebeu a mais alta distinção do Clube do seu coração, o “Leão de Ouro com Palma”, cuja entrega foi feita no decorrer da Gala Honoris Sporting, na companhia de outro distinguido, o seu grande amigo João Salvador Marques, o nosso Sócio n.º1.
No Jornal Sporting manteve durante anos uma coluna intitulada ”Verde Rosa” que mais tarde veio por minha iniciativa a ser alterada para “Maria Sporting”. Quando lhe fiz esta surpresa, ligou-me a agradecer como a sua esmerada educação. Determinada, e muito feliz questiona-me: “sabe que este era o nome com que gostaria de ter sido baptizada?” Sabia sim, minha querida…
Já debilitada fisicamente assinou um atestado de responsabilidade e ninguém a conseguiu demover para poder cumprir o seu direito de voto nas últimas eleições. Com igual determinação deixou também uma mensagem, confiada à sua prima Maria Emília, em envelope fechado, na condição de ser apenas aberta e lida quando partisse e assim foi… transcrevo um enxerto (publicado na integra na última página do nosso Jornal):
“Quando eu partir
Recordem o que fui dia-a-dia
que sempre que caí, me levantei,
que contra a injustiça
me insurgi e lutei,
que fui frontal, vibrante, destemida,
sem recear a Morte
e sempre amar a Vida”
Assim será… até sempre minha Querida!
Boa leitura!