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Duas questões sobre o caso Palhinha

Por Pedro Almeida Cabral
18 Mar, 2021

As competições desportivas precisam de regras claras, que tragam justiça e minorem o erro dos árbitros. A decisão do TAD, redigida de forma cuidada, pensada e rigorosa, dá pistas para uma melhoria do enquadramento disciplinar da Liga

Finalmente, o Tribunal Arbitral do Desporto, conhecido como TAD, proferiu a sua decisão sobre o afamado caso Palhinha. Tudo começou com a exibição de um (escusado) cartão amarelo a Palhinha no jogo contra o Boavista FC, no final de Janeiro passado. Por considerar que o cartão foi mal mostrado, como é evidente que foi, Palhinha recorreu para o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol. Este organismo não deu razão a Palhinha, que, por sua vez, recorreu para o TAD. Entretanto, tudo ficou suspenso por uma providência cautelar. Este emaranhado novelo judicial conheceu por estes dias um avanço importante: o TAD deu razão a Palhinha e considerou que o cartão amarelo foi mesmo mal mostrado, anulando‑o. 

A partir daqui, há duas questões que se devem colocar. A primeira questão é saber se o essencial da decisão do TAD se irá manter. O TAD deu extrema importância ao facto de o árbitro, Fábio Veríssimo, ter reconhecido, frontalmente, que não devia ter mostrado o cartão amarelo. Não será habitual este mea culpa nos árbitros portugueses. Mas a verdade é que foi o que aconteceu. Num futebol que privilegie a verdade e o trabalho construtivo dos árbitros, em casos flagrantes de erro como este, este entendimento deveria prevalecer.

A segunda questão prende‑se com a doutrina do terreno do jogo, que já circula em qualquer conversa com o seu nome original, field of play doctrine. Este princípio é fundamental para garantir que o árbitro tem autoridade em campo nos 90 minutos de jogo. Acaso não existisse, um jogo de futebol seria uma balbúrdia, susceptível de recurso permanente, esvaziando a capacidade decisória do árbitro. O que está em causa é uma extensão exagerada desta doutrina por parte do Conselho de Disciplina, que sustenta que o reconhecimento do erro do árbitro na amostragem do cartão amarelo só valeria se ele afirmasse ter visto o lance em toda a sua extensão. É uma exigência impossível de cumprir que, a ser escrupulosamente respeitada, não daria qualquer relevância ao reconhecimento do erro pelo árbitro. Além de contrariar entendimento consolidado no Comité Disciplinar da FIFA, que valora acontecimentos durante o jogo que o árbitro não se tenha apercebido. Persistirá o Conselho de Disciplina nesta interpretação peculiar da doutrina do terreno do jogo?

As competições desportivas precisam de regras claras, que tragam justiça e minorem o erro dos árbitros. A decisão do TAD, redigida de forma cuidada, pensada e rigorosa, dá pistas para uma melhoria do enquadramento disciplinar da Liga. Espera‑se que a malha legal disciplinar seja aperfeiçoada no sentido das orientações do TAD e que o Conselho de Disciplina acerte os seus entendimentos. Ficaríamos todos a ganhar.