Artigo de opinião de Bruno de Carvalho publicado hoje
Bruno de Carvalho, Presidente do Sporting, escreveu um artigo de opinião a propósito da necessidade de introdução das novas tecnologias no futebol, à semelhança do que já acontece em tantos outros desportos, que foi publicado nos jornais ‘A Bola’ e ‘Diário de Notícias’. Leia na íntegra o texto do líder ‘leonino’ a propósito desse tema.
“Não há debates estéreis quando o ambiente que os recebe é fértil. Nesse sentido, os tempos que virão servirão para aferir da vitalidade do futebol português e, porque não dizer, do próprio futebol.
Vivemos um novo milénio e de nada serve aplicar as novas realidades aos antigos e antiquados modelos. Olhar de lado para a adopção das novas tecnologias ao serviço do futebol e da verdade desportiva corresponde ao reencarnar das angústias das estrelas do cinema mudo quando chegou o sonoro.
Hoje, o atletismo não vive sem o ‘photo finish’, o ténis não prescinde do ‘hawk eye’, o râguebi demonstra modernidade ao serviço da ‘fair-play’ com a utilização do vídeo-árbitro, a Fórmula 1 dissipa as dúvidas durante as corridas sobre perigosidade de manobras com recurso a imagens televisivas, no basebol e no futebol americano são os treinadores que podem solicitar o uso das imagens para disputar as decisões dos árbitros. Os exemplos não se esgotam nos apresentados, mas no futebol impera a “lei da vista grossa”. Episodicamente testa-se a ‘tecnologia da linha de golo’ como forma de dar um ar de modernização, mas as decisões de fundo são esquecidas e as vozes, cada vez mais numerosas, que pugnam pela verdade e pela adopção de novas tecnologias são ignoradas.
A suspeição instala-se como se fosse a autêntica oportunidade de negócio que reside na ‘margem de erro’ que estivesse a ser defendida. E, infelizmente, muitas vezes, o que parece é.
Golos irregularmente validados, outros que foram erradamente anulados, dúvidas em relação ao local onde uma falta foi cometida, agressões que passam impunes, bola na mão vs. mão na bola, as dúvidas que intoxicam a pureza do futebol deveriam deixar de fazer parte do seu quotidiano. Uma medida tão simples de implementar, numa época histórica em que qualquer jogo de futebol é televisionado por sete, oito, doze ou mais câmaras, será a utilização do vídeo-árbitro.
O que encanta milhões de pessoas em todo o Mundo não é, ao contrário do que as mentes mais antiquadas julgam, a discussão sobre a decisão do árbitro, o veredicto sobre ‘benefícios e roubos’, a polémica. Tudo questões que serão retiradas do léxico da modalidade com a adopção do vídeo-árbitro.
O que fascina os amantes do futebol é a jogada, a finta, o drible, a defesa milagrosa, a decisão táctica arrojada, o empenhamento defensivo, o golo, a substituição que vira um resultado, o jovem talento que desponta, o veterano que empresta a sua experiência a uma equipa, os festejos, a ânsia pela hora do jogo. Isto é o futebol! Isto é o desporto! Um espectáculo que pode ser ensombrado por uma lesão, por um falhanço individual de um jogador, pela má prestação de uma equipa, por um resultado que não se deseja, por um ‘penalty’ falhado, por uma conquista que fica por alcançar. Mas nunca deveria ser uma má decisão a arruinar todo um espectáculo. Quem vai ao futebol, quem assiste na televisão ou ouve na rádio, quem compra os jornais e revistas da especialidade, quem no fundo alimenta com a sua paixão e os seus recursos financeiros esta indústria espera mais. Exige mais. Em qualquer estádio do Mundo os espectadores têm, na hora, a informação sobre o que estão a presenciar. Em cada estádio do Mundo milhares de autênticos vídeo-árbitros pagam o seu ingresso mas não têm o poder de interferir nas decisões erradas, corrigindo-as. É o falhanço de um sistema arcaico presenciado em directo e ao vivo por todos os que seguem os jogos de futebol. Com as novas tecnologias literalmente na palma da mão, os espectadores já não precisam de esperar para verem na televisão ou lerem nos jornais do dia seguinte uma sentença sobre as decisões de quem dirige uma partida de futebol. São os próprios árbitros, enquanto intérpretes, também eles, do espectáculo, os primeiros beneficiados com a introdução de meios técnicos que ajudem na sua tarefa de assegurarem o estrito cumprimento das leis do jogo durante a partida.
Eliminam-se as dúvidas, eleva-se a verdade desportiva, sobe-se um patamar na credibilização do futebol, demonstra-se que um ‘negócio de milhões’ é transparente, melhora-se o espectáculo, devolve-se a paixão aos amantes da modalidade que concentrarão naquilo que verdadeiramente os leva aos estádios, à essência do desporto-rei. O vídeo-árbitro é mais do que uma EXIGÊNCIA da modernidade levada ao futebol: é a moralização a mostrar que o espectáculo é muito mais do que um mero negócio.
Uma moralização que introduz também um sentido de compromisso entre quem gere os destinos do futebol e os clubes que dão corpo à modalidade. É que soa a vácuo, já para não dizer a hipocrisia, exigir, verificar e controlar rigorosamente o cumprimento das normas do ‘fair-play’ financeiro (que não contesto) e, ao mesmo tempo, não se ser o agente principal a zelar pelo ‘fair-play’ desportivo. Não se pode, com honestidade, ser o braço direito de uma justiça que exige rigor nas contas ao mesmo tempo que se é a mão esquerda que acarinha um modo de funcionamento, repito, arcaico que não procura impedir os erros grosseiros que, no caso do Sporting Clube de Portugal, nos espoliaram em quase 17 milhões de euros (não contando com as receitas dos jogos da Champions, direitos televisivos e prémios que poderiam ter sido ganhos)!
Com virão a ser relembrados no futuro aqueles que hoje procuram resistir à mudança que, inevitavelmente, o tempo imporá? Quem senão os clubes e os adeptos, que são os maiores investidores, pagará por este atraso? E de que adianta atrasar a marcha do tempo quando se percebe perfeitamente que as mudanças chegarão?
Termino quase como comecei: não há debates estéreis, assim exista a virilidade de os sugerir e sustentar.”