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O historiador e o poeta

Por Miguel Nogueira Leite
17 Dez, 2020

(...) O Sporting Clube de Portugal ganhou 22 títulos e a sua história não será apagada por decreto. Foi o que aconteceu, e não o que poderia ter acontecido

Aristóteles terá dito um dia: “o historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo facto de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si porque um escreve o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido”. Antecipando que há largas centenas de anos o enquadramento em que terá sido proferida esta citação não será exactamente o mesmo em que a utilizo, quando há dias a li, achei que, com os devidos distanciamentos, se adequava cabalmente ao tema deste editorial.

Infelizmente, não são raras as tentativas de se reescrever a história de países, governos, movimentos, instituições e até pessoas. Mas a verdade, os factos e consequentemente a história são únicos e não transaccionáveis.

O Sporting Clube de Portugal solicitou, pelo menos desde 2016, que os seus 22 títulos de Campeão Nacional de futebol fossem, final e formalmente, reconhecidos pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Pelo menos desde 2017 foi criada uma comissão pela FPF para analisar esse tema.

Antes e depois desses acontecimentos, muitos adeptos do futebol português embrenharam-se em discussões variadas sobre o tema, invocando diversos argumentos, contra e a favor das diferentes teses, ora atribuindo, ora retirando títulos. Porém, até hoje, nada aconteceu.

Em resultado dessa estagnação, o Sporting CP entendeu auxiliar na formalização da verdade histórica do futebol português. O caminho para esse efeito só poderia ser um: sair de um debate que foi sério, mas que ainda assim carecia, em nosso entender, de um elemento adicional fulcral: base científica.

O tema tinha assim de ser analisado e estudado por quem de direito e que fosse idóneo para o caminho pretendido percorrer, e o estudo tinha de ser realizado de forma rigorosa, imparcial e, acima de tudo, contemplando todos os argumentos a favor e contra as diferentes teses existentes.

Essa missão foi confiada ao professor doutor Diogo Ramada Curto e ao doutorando Bernardo Pinto Cruz e resultou no parecer intitulado Os campeonatos nacionais de futebol de 1921 a 1940, que foi esta semana entregue pelo presidente do Sporting Clube de Portugal ao presidente da FPF.

Foi assim realizado ao longo de vários meses um trabalho notável de análise e estudo desta problemática, e em particular sobre a natureza das provas e a nacionalização do futebol português, também no âmbito do período do Estado Novo. Para esse efeito foram analisadas centenas de páginas e documentos, onde foram escrutinados também seriamente todos os elementos, indícios e teses que pudessem colocar em causa os 22 títulos ganhos pelo Sporting CP. A procura e análise foram sempre norteadas pela verdade histórica e não pela obtenção fictícia de títulos. Por essa razão, também esses elementos foram vertidos no parecer e valorados. E todos os caminhos levaram aos 22 títulos.

Aliás, consideramos pessoalmente que reveste de enorme interesse uma leitura atenta da acta do Congresso Extraordinária da FPF de 1938, não só por referência a este tema, mas também porque algumas matérias permanecem, a nosso ver, actuais no panorama do futebol nacional.

O Sporting CP nunca deixará de lutar pela verdade e transparência no desporto, e este é só mais um exemplo.

Evitando antecipar a leitura do referido parecer, não haverá agora dúvidas de que a FPF lavra num enorme erro, e que face às evidências constantes deste parecer, terá obrigatoriamente de o corrigir.  

O Sporting Clube de Portugal ganhou 22 títulos e a sua história não será apagada por decreto. Foi o que aconteceu, e não o que poderia ter acontecido.

 

P.S. – E sim, verificámos e o Sporting CP foi mesmo fundado em 1906. 

 

Editorial da edição n.º 3798 do Jornal Sporting