Envolvimento com os fãs: um compromisso de fidelidade?
21 Mar, 2018
Debateu-se a interacção entre os clubes e os sócios e adeptos no último Painel de quarta-feira
O envolvimento dos clubes com os seus sócios e adeptos, quer a nível digital, quer a nível pessoal foi, talvez, o tema mais 'divergente' do primeiro dia do Congresso 'The Future of Football' - tendo sido, também, o último da tarde. 'Divergente' porque origina muitas opiniões, já que cada pessoa tem a sua forma peculiar de viver o emblema com que se identifica. Nesse sentido, Guillem Graell, director de marca do Barcelona, Keishi Matsuyama Fontes, director digital do Valência, e Rafael de los Santos, director digital global do Real Madrid, preocuparam-se em explicar como é que se torna possível aumentar os seguidores e as interacções nas várias plataformas digitais - personalizando os conteúdos. Por outro lado, Luiz Felipe Scolari, antigo seleccionador da Selecção nacional e da selecção brasileira, Maurício Gomes de Mattos, vice-presidente do Flamengo, e Ricardo Monteiro, antigo presidente do Havas Worlwide, mostraram a proximidade de uma relação que consideraram de fidelidade e compromisso. Um choque de 'realidades' que levou os presentes à visualização de gráficos demonstrativos do poderio da marca blaugrana, mas que também recordou as lágrimas de Cristiano Ronaldo na final do Euro 2004.
O ‘primeiro tempo’ abriu o mundo digital. Keishi Fontes sublinhou a relevância do que se passa nas redes sociais no que toca ao desenvolvimento de opiniões no seio da… sociedade. "O digital é tão importante porque a tecnologia permite que os diálogos ocorram de forma directa. Está a custar aos Governos aceitar um facto que já está na rua. Não são só os meios de comunicação que moldam a opinião da sociedade. Nas redes criam-se movimentos. Os canais estão sempre abertos. Tudo está conectado", defendeu, apontando que os fãs gostam de receber conteúdos que os aproximem dos clubes. "O digital não é a tecnologia. São as pessoas. Por isso, temos de oferecer às pessoas aquilo que lhes interessa quando lhes interessa. No futebol existe uma matéria-prima preciosa: não há nada mais humano do que pertenceres às tuas cores", vincou.
Na mesma linha de raciocínio estiveram Rafael de los Santos e Guillem Graell. Enquanto o director digital global do Real Madrid exaltou a dimensão dos madridistas, o director da marca do Barcelona destacou a capacidade de um clube com tamanha notoriedade conseguir alterar a vida dos seus seguidores.
"A transformação digital cria impacto no negócio. Todas as pessoas têm a sua vida no telemóvel e os nossos amigos são aqueles com quem nos damos presencialmente e os outros, com quem interagimos todos os dias nas redes sociais. O Real Madrid possui cerca de 600 milhões de fãs por todo o Mundo, logo, a nossa missão passa por contactá-los de forma personalizada", referiu Rafael.
"Queremos ser a marca desportiva mais admirada, mais amada e mais global. Não queremos ser um pequeno clube de futebol, mas, antes, uma marca desportiva. A nossa fasquia está bastante elevada. No fundo, pretendemos transformar o Mundo através do desporto - algo que vai além das vitórias e dos troféus", disse Guillem.
Luiz Felipe Scolari, Maurício Gomes de Mattos e Ricardo Monteiro trouxeram a emoção. A mensagem mais forte de Scolari assentou no respeito que teve pelas várias culturas dos países onde exerceu a profissão de treinador (Arábia Saudita, China, Japão, Inglaterra, etc.). Uma das confissões mais curiosas do ex-técnico envolveu a cultura dos adeptos ingleses.
"Aprendi, em Inglaterra, que os adeptos do Watford torcem pelo Watford. Não torcem pelo Watford e pelo Manchester United. Aprendi, em Inglaterra, que os adeptos do Birmingham torcem pelo Birmingham. Não torcem pelo Birmingham e pelo Chelsea. Isso não acontece no Brasil. Contudo, por outro lado, o país que mais me impressionou ao nível da organização no futebol foi o Japão", revelou.
O vice-presidente do Flamengo, Maurício Mattos, transmitiu ao auditório toda a sua paixão pelo emblema brasileiro e o percurso em crescendo de um 'torcedor' que chegou a uma posição importante no clube. "Quando cheguei ao clube, pensei: 'Como é que posso ajudá-lo sem a habilidade do Zico?'. Depois, percebi que era necessário atrair adeptos, projectar consolados pelo Mundo e desenvolver o departamento de scouting. Orgulho-me por ter conseguido", afirmou.
A 'chave de ouro' esteve no discurso de Ricardo Monteiro, antigo presidente do Havas Worldwide. Com perguntas simples, mas inteligentes, atraiu a atenção dos presentes, obrigando-os a questionarem-se acerca do porquê do futebol ser, em Portugal, o fenómeno de massas mais envolvente.
"Será que isto acontece pelo facto de o futebol envolver muito dinheiro? Não, pois os fãs não se compram. Em Portugal, o que mais se vê são jogos de futebol. E em Espanha ainda são piores do que nós. No entanto, em Inglaterra, a pátria da modalidade, o futebol é um fenómeno regional, por isso nenhuma partida está no top10 de programas mais assistidos", lançou, terminando com a seguinte exposição. "Ninguém vai às lágrimas pela Apple... pela Nike. Vamos às lágrimas pela emoção que nos liga a um clube e isso é um traço cultural português", concluiu.