Your browser is out-of-date!

Update your browser to view this website correctly. Update my browser now

×

A atleta que deu o Salto para a História

Por sporting
26 Mar, 2015

Perfil de Naide Gomes, uma das mais medalhadas de sempre

Era um torneio escolar de salto em altura na escola que frequentava, na margem sul. Naide Gomes tinha 11 anos e dava, pela primeira vez, nas vistas pela sua habilidade natural para o atletismo. Usando o estilo tesoura – que consiste em fazer a aproximação à fasquia na diagonal, saltando primeiro com uma perna e só depois com o resto do corpo – Naide saltou 1,50 metros, superando, até, o rapaz mais alto da turma. O professor de Educação Física, abismado com o desempenho de uma menina que nunca tinha treinado, incentivou-a a ingressar no desporto escolar. Naide estava convencida que se tinha saído bem por influência de uma infância passada entre a natureza, em São Tomé e Príncipe. Todas as brincadeiras desaguavam na rua e ora Naide corria, ora subia às árvores, ora atravessava os rios. Aos dez anos, veio para Portugal, acompanhada da irmã, um ano mais velha, para estudarem e para se juntarem à mãe, que já tinha feito a travessia seis anos antes. Naide chegou a Portugal com a ideia que Lisboa cheirava a perfume e a rosas. “Havia uma loja portuguesa de rebuçados em São Tomé e cheirava maravilhosamente bem. Por alguma razão, associei aquele cheiro a Lisboa. Mas quando cheguei, percebi que não era assim. Passei por algumas zonas que cheiravam a esgoto e foi uma desilusão”, conta a atleta que, nos primeiros tempos, estranhou Portugal. “Fui bem acolhida, mas vinha de uma cultura diferente. Via coisas na escola que me deixavam perplexa, como os alunos a responderem mal aos professores ou a dizerem asneiras. Em São Tomé, se fizessemos isso, levávamos uma sova”, lembra. Naide seguiu o conselho do seu professor de Educação Física e abraçou o atletismo. Mas dois meses depois, teve um dissabor: quatro negativas na escola. “Só chorava. Nunca tinha tido negativas e achava que a minha mãe me ia tirar do atletismo, mas ela disse-me que, se recuperasse, não acontecia nada”. Estudou madrugada fora, subiu as notas e nunca mais teve negativas – evidenciando a disciplina e a determinação que pautariam, também, a sua carreira. O dia em que Fernanda Ribeiro ganhou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, em 1996, mudou a vida de Naide. “Fiquei até às quatro da manhã a dormir no sofá, para ver pela televisão. Quando ela ganhou, disse à minha mãe que um dia seria como ela”. Para lá chegar, passou pelo Clamo, Ginásio do Sul, Belenenses e JOMA, antes de chegar ao Sporting, em 1998, ainda júnior. “Tinha o sonho de representar o Sporting. Lembro-me de ver equipas fantásticas de atletismo no Clube, ainda criança. Além disso, adorava o Figo, até chorava pelo futebol. Mas não queria oferecer-me ao Sporting, queria chegar lá por mérito próprio. Quando o professor Moniz Pereira viu o meu talento, pelas marcas que tinha alcançado, e me fez o convite, aceitei na mesma hora”, lembra a atleta que, embora se tenha celebrizado no salto em comprimento, nunca deixou os créditos por mãos alheias noutras disciplinas – foi campeã nacional de heptatlo e campeã mundial de pentatlo, por exemplo, estabelecendo recordes em quase todas as disciplinas. 2000 foi o ano de viragem. A participação nos Jogos Olímpicos, ainda em representação de São Tomé (a nacionalidade portuguesa viria, apenas, no ano seguinte) mudou-lhe o destino. “Quando vi, pessoalmente, a Fernanda Ribeiro a ganhar medalhas e convivi com os atletas, percebi que queria pertencer àquela elite”. Apostou ferozmente nesta meta, passando a fazer treinos bi-diários. Em pouco tempo, o esforço deu frutos: bateu três recordes (salto em comprimento, salto em altura e pentatlo) e, em Março de 2002, conquistou o primeiro título internacional, a prata no Europeu de Pista Coberta, em pentatlo, na sua estreia pela Selecção Nacional. Um título que acrescentou ao vasto currículo nacional – Naide soma, até hoje, 23 Campeonatos de Portugal (17 de salto em comprimento, três de salto em altura, dois de 100 metros barreiras e um de heptatlo) – e às três participações nos Jogos Olímpicos (2000, 2004 e 2008). Sete é o seu número favorito. Não só porque era aquele que Figo carregava às costas, como era a marca que idealizava ultrapassar no salto em comprimento. O que aconteceria em Julho de 2007, no Mónaco – onde Naide levou o máximo nacional aos 7,12 metros. Se 2000 foi o ano de viragem, 2012 foi o de abrandamento. Quando já via os Jogos Olímpicos de Londres mais perto, sofreu uma ruptura completa do tendão de Aquiles. Foi o início de um longo calvário que culminou com três operações ao mesmo pé – a última das quais a 3 de Abril deste ano. “Estou a treinar, mas com dores, por isso estou a 50%”. Ainda assim, e com os 35 anos completados hoje, Naide resiste. “Vou continuar a lutar para terminar a carreira como sempre quis, a competir – o que, espero, possa acontecer no próximo ano. Enquanto puder não desisto. O atletismo é o meu filho. Quando se faz o que se ama arranja-se forças para lutar”. Já preparando o período para além da carreira, Naide concluiu a licenciatura em Fisioterapia – cuja paixão lhe chegou durante a sua recuperação – e acabou de assinar contrato pelo Sporting, como fisioterapeuta. Paralelamente, está a tirar o primeiro grau do curso de treinador. “Quero transmitir a minha experiência e formar campeões como eu. Mas não vai ser fácil. Para chegar a este nível, é precisa muita disciplina. E paixão”.