Dualidades e outras coisas
22 Out, 2020
A introdução do VAR foi uma medida benéfica na luta pela transparência do futebol e como tal precisamos de protegê-la e apetrechá-la de mais instrumentos que ajudem à compreensão de determinadas decisões e à clarificação dos processos
O terramoto provocado pela dualidade de critérios do primeiro clássico da época, teve réplicas ao longo de toda a semana. A presença do árbitro Pedro Azevedo na Sporting TV contribuiu para esclarecer algumas almas menos iluminadas e relembrar a outros que as regras existem e que devem ser iguais para todos. O FC Porto teve mesmo a particularidade de ter um jogador que deveria ter visto dois cartões vermelhos – primeiro por entrada grosseira e perigosa sobre Pedro Porro, depois por fazer penálti; o internacional sub-21 espanhol teve, inclusivamente, de fazer tratamentos nos dias seguintes – e que, mesmo assim, acabou por fazer a totalidade do jogo. É obra. O mantra repetido até à exaustão que uns jogam nos limites mina a capacidade de decisão sobre lances que não podem ser considerados normais no futebol, sobre atitudes que confundem propositadamente agressividade com violência. É, por vezes, uma linha ténue que separa os conceitos, mas é uma linha que existe e que não deve, nem deveria, ser menosprezada. Como a linha da decência, ultrapassada por um ou outro comentador azul e branco, que chegaram mesmo a dizer que Pedro Gonçalves deveria ter visto o cartão amarelo no famigerado lance com Zaidu, por simulação. Só mesmo a falta de vergonha permite comentários públicos assim.
Para meditar sobre estas dualidades que têm marcado a história do Futebol português nos últimos anos, recordo a entrevista de Tomislav Ivković à Tribuna do Expresso, guarda-redes que defendeu as nossas balizas – e dois penáltis do Maradona – nos finais dos anos 80 e princípio dos anos 90. À pergunta se se sentia o domínio do FC Porto, Ivković foi peremptório: “Ohhh, naqueles tempos… Era na Europa toda: cada país tinha o seu FC Porto. O comportamento dos árbitros e dos dirigentes era diferente quando se tratava do FC Porto”. Continuando: “posso dizer que o Pinto da Costa e o Reinaldo Teles eram as pessoas a que toda a gente queria agradar. Porquê? Porque havia a ideia de que eles podiam ajudar quando fosse preciso. Faziam-se bonzinhos, queriam ficar perante eles”.
Heródoto afirmou ser necessário “pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Continuar a fingir que nada se passou no passado servirá o presente de alguns, mas não ajudará o futuro do futebol português. A introdução do videoárbitro (VAR) foi uma medida benéfica na luta pela transparência do futebol nacional e como tal precisamos de proteger a figura do VAR e apetrechá-la de mais instrumentos que ajudem à compreensão de determinadas decisões e à clarificação dos processos. Não queremos regras diferentes, exigimos sim, critérios idênticos.
* Responsável de Comunicação Sporting Clube de Portugal