Os intervenientes do VI e último Painel do Congresso abordaram os factores 'extra-jogo' que podem influenciar o futebol
O IV Congresso 'The Future of Football' ficou marcado pelas muitas referências dos intervenientes acerca do poder que os factores 'extra-jogo' têm de influenciar - de forma positiva ou negativa - o que se passa dentro das quatro-linhas. Dessa forma, pode dizer-se que o VI e último Painel do evento resumiu, de certa forma, essa temática, lançando para a 'mesa de debate' as alegadas 'jogadas' que ocorrem nos bastidores da indústria.
Sérgio Fernandez, jornalista da Marca e presença assídua nos Congressos anteriores, apresentou a dualidade de critérios dos jornais - focando-se, naturalmente, nos espanhóis - no tratamento de certos assuntos, admitindo que há hábitos que têm de ser alterados pelos meios de comunicação social, mas defendendo, ao mesmo tempo, que os dirigentes precisam de estar "por cima dessas pequenas disputas de orgulho" para que a indústria possa crescer.
"A objectividade é quase uma utopia no jornalismo. Principalmente no jornalismo desportivo. Penso que, acima de tudo, temos de ser honestos e não objectivos. Sermos honestos é não misturarmos conteúdos. Por exemplo, fazer entretenimento não é a mesma coisa do que fazer informação", apontou, lançando, de seguida, uma auto-crítica.
"Somos os primeiros a permitir coisas que não deveríamos para conseguir contactos, entrevistas ou fontes. Começámos a achar que temos mais poder do que o efectivo", confessou. Ainda assim, para Sérgio Fernandez, não se podem ultrapassar determinadas barreiras. "Quando o Cristiano Ronaldo chegou a Madrid foi uma loucura. A reportagem era sempre dedicada a ele. Certo dia, o Cristiano deu uma cotovelada num jogador do Málaga. Pensámos: 'E agora? Com o Cristiano sancionado, como é que vamos vender o jornal'?. Claro que isto não deve acontecer", disse.
Deixou para o fim da sua intervenção a postura que os agentes do futebol deveriam ter com o objectivo de preservar o crescimento da modalidade 'de mãos dadas' com a comunicação social, sendo que, na análise do jornalista espanhol, as mulheres devem entrar mais vezes nesse crescimento. "Os dirigentes precisam de estar por cima dessas pequenas disputas de orgulho. Se crescermos [meios de comunicação], cresce a indústria do futebol. E mais, porque preciso de reforçar esta ideia: é muito triste ir aos Mundiais ou aos Europeus e não haver comentadoras mulheres, pois elas escrevem muito bem sobre futebol", concluiu, passando a palavra, nem de propósito, a uma mulher.
Elsa Tiago Judas é advogada e subiu ao palco com o intuito de 'desmistificar' o porquê de, no futebol, a justiça levar tanto tempo a aplicar-se. Segundo a sua abordagem, tudo se dificulta devido aos "interesses conflituantes".
"O futebol é um subsistema que está pulverizado de interesses conflituantes. Existe sempre o perigo do condicionamento", iniciou, continuando na mesma toada. "É um mundo de lutas de poder e isso afecta a forma como se regulamenta a modalidade. No entanto, tenho de sublinhar que o maior perigo que existe na justiça do futebol se encontra nas suas instituições, precisamente pela forma como estão organizadas", esclareceu, tocando num assunto já discutido pelo Presidente Bruno de Carvalho no primeiro dia.
"Como é que pedem que haja eficácia na justiça desportiva se os elementos das instituições continuam a ser nomeados?", questionou.
Questionada foi também a organização do Conselho de Arbitragem pelo antigo árbitro José Leirós, o terceiro orador do Painel, que deixou duras críticas à Comissão Técnica. "A arbitragem portuguesa não consegue ter respeito por todos os clubes. Se a Comissão Técnica, que trabalhava com os árbitros de Norte a Sul do País com o intuito de prepará-los antes de chegarem à Primeira Divisão, já não se preocupa com isso, claro que os profissionais chegam ao mais alto dos patamares sem experiência, sem jogos e sem passarem pelas competições pelas quais deviam passar", afirmou.
Além disso, José Leirós pediu para que olhassem mais além. Afinal, qual é o futuro de um árbitro português quando termina a sua (curta) carreira? "Têm-se prejudicado carreiras por causa das alterações classificativas dos árbitros - aqui também entra a influência da comunicação social. Essas carreiras que já nem são longas. Podem não acreditar, mas se um árbitro depender apenas do ordenado ganho através da Federação, nem sabem o que lhe irá acontecer quando, de forma permatura, descer de Divisão. Só neste País é que não se aproveita a experiência dos árbitros para desenvolver a área, tal como se faz noutros países", lamentou.
As palavras de Bobby Barnes, presidente da divisão europeia da FIFPro, fecharam o Painel. Foi altura de dar a conhecer o lado do jogador. Aquele lado acerca do qual, segundo defendeu, se pensa poucas vezes.
"Antigamente, um atleta jogava ao sábado ou ao domingo e discutia a sua performance com o treinador, com os colegas de profissão e, talvez, com a família. Actualmente, um jogador de futebol tem centenas de câmaras apontadas a si. Que captam quantas faltas faz, quantas defesas faz, quantos remates faz. Tudo. A pressão é enorme e vivemos numa era em que todas as pessoas pensam que podem ter uma opinião sobre a modalidade", relatou.
"A questão dos jogos combinados é real. Claro que sim. Real e triste. Contudo, também existem outras realidades: a de um jogador chegar ao fim do mês e não receber o ordenado do clube para o qual trabalha. Oiço menos pessoas opinarem sobre isto. Para concluir, há que ter noção de algo: os amantes do futebol têm a responsabilidade de proteger o jogo do qual também fazem parte", rematou.