Quem o disse foi Olivier Seitz, do Barcelona, no IV painel do congresso, que contou também com Avram Grant, Paul Rejer e Emanuel Medeiros
Num evento em que o principal propósito, como o próprio nome indica, é discutir o futuro do futebol, nada mais apropriado do que debater os desafios que esse futuro traz. Era esse o mote do IV painel deste segundo dia de The Future of Football, decorrido no final da manhã desta quinta-feira. Nele participaram Avram Grant, actual seleccionador de Gana, Paul Rejer, da Organização Profissional de Árbitros nos Estados Unidos e Canadá, Olivier Seitz, director do mestrado de Football Business do Barcelona e Emanuel Medeiros, CEO da organização ICSS na Europa e América Latina, que promove a segurança e a integridade no desporto.
A migração jovem e o futebol africano
A discussão foi aberta por Avram Grant, antigo treinador do Chelsea, que levou ao Auditório Artur Agostinho o tema da migração jovem. A trabalhar actualmente em África, o experiente técnico começou por justificar a sua escolha. “Fui trabalhar para o Gana porque quis entender a razão pela qual lá não aparecia o talento, se há talento. Digo sempre que não há talento suficiente para se depender apenas dele. Se este congresso tivesse sido há 10 anos, como teria sido? Nestes anos houve muitas melhorias a nível do treino: hoje, tactica e fisicamente, quase todos os treinadores são mais ou menos iguais. Antes não era assim”, introduziu, debruçando-se depois sobre a sua experiência em África, através da qual identificou os elementos essenciais para se ter sucesso no futebol: talento, paixão e força mental.
“África tem muita paixão. Têm sempre muita vontade de jogar, estão sempre felizes. Talento também há muito. Pelo que o que os impede de contribuir são os problemas do contexto. A esperança é um problema mundial, porque lá há quem lhes prometa tudo e, depois, não cumpra com o acordado. Houve um jogador, numa equipa que treinei, com talento, e que viveu uma situação destas. Disse-me que ia jogar no Qatar, mesmo tendo uma oferta da liga francesa, porque o convenceram disso, e acabou por ser prejudicado”, recordou, explicando que esta migração muitas vezes não é feita da melhor forma, dada a necessidade dos jovens africanos de arriscar, pelas situações precárias em que vivem nos seus países natal.
O vídeo-árbitro em discussão
Quem também se deslocou a Alvalade foi Paul Rejer, antigo árbitro inglês, ainda que para falar sobre um tema totalmente distinto, mas também ele com incidência no futuro da modalidade: o vídeo-árbitro. Depois de explicar como começou este sistema de arbitragem e como funciona o mesmo, dando alguns exemplos práticos para a plateia presente, Paul Rejer, actualmente a trabalhar no futebol norte-americano, adiantou que na próxima época todos os jogos da MLS vão ter recurso ao vídeo-árbitro. “O mais importante relembrar é a questão da interferência mínima de forma a obter um proveito máximo. O vídeo-árbitro não vai incidir em todas as jogadas, mas tem de ser um impacto grande no jogo. Há algumas decisões de que todos nos lembramos e que facilmente seriam erradicadas com este sistema. Mas o público vai exigir zero erros, e isso não vai acontecer. Lembro-me de uma situação em que todos considerámos falta para cartão vermelho e o árbitro, com o vídeo, disse que não… e deu amarelo”, exemplificou, prosseguindo.
“O que é um erro claro? Há lances em que 50% desta sala consideraria penálti e os outros não o considerariam e isso não é um erro claro. Não é aí que temos de trabalhar. Temos de trabalhar em lances que dão golo, marcações de penalties ou expulsões. Os principais objectivos são minimizar os erros e o tempo de paragem nas decisões. É preciso alguma prática a utilizar os protocolos de forma a ser capaz de utilizar o sistema de forma correcta”, afirmou o inglês, defensor da introdução das tecnologias no futebol, tal como aconteceu noutras modalidades, tal como o próprio relembrou.
O que há a estudar e como ficar no topo?
Os dois últimos temas debatidos foram, essencialmente, duas questões que todas as pessoas do mundo do futebol se colocam frequentemente: o que há a aprender, numa altura em que a informação é cada vez mais simples de obter, e como continuar no topo da indústria, perante o aumento da competitividade? Olivier Seitz, do Barcelona, parabenizou o Clube leonino e afirmou que "é um desafio falar sobre conhecimento no futebol", apresentando de seguida as que para si são as quatro vertentes essenciais na organização de um grande clube: a da performance, dos negócios, a social e a política. O espanhol explicou melhor: a primeira, tem como objectivo aumentar a competitividade desportiva e, com isso, passar para a segunda vertente, relacionada com o jogo como um negócio, onde sublinhou a importância da gestão de activos, as incursões no mercado e o controlo de custos. “Tens de ter a noção correcta do valor dos teus jogadores e precisas desse conhecimento para gerir o clube”, disse.
A ligação para a terceira vertente, a social, faz-se através dos adeptos. aos quais é necessário saber vender o clube como um produto, e razão pela qual têm de existir campanhas de marketing, online e offline, que segundo o orador fazem com que os grandes clubes sejam cada vez maiores, e os pequenos tenham mais dificuldades. Por fim, a questão política, que acredita ser das mais importantes. “Organizar um clube de forma a dar voz a determinados valores e identidade. Como é que isso é possível? No Barcelona, o clube representa a Catalunha. O futebol é usado pelos governos para promover identidades nacionais. No Brasil, decidiu-se que o futebol seria a modalidade principal e construíram-se campos por todo o país. Faz parte das escolas, por exemplo, e isso influencia tudo o resto”, concluiu Olivier Seitz.
Quem fechou o painel foi Emanuel Medeiros, que criticou a pequena evolução que o dirigismo no futebol viveu, defendendo que é necessário olhar para as ligas mais desenvolvidas e lamentando o clima que leva à desvinculação de alguns adeptos e de muitos patrocinadores para com a modalidade. "O primeiro passo para se ser credível é reconhecer problemas e trabalhar para melhorar. Falta visão reformista", finalizou Emanuel Medeiros.